domingo, 13 de setembro de 2009

adeus a dias

A menina dizia, a cada vez que o episódio se repetia, "olá, estranho".
Não posso dizer se estranho era eu, ou estranho estava eu. Ou então sei, de certa forma, que a figura no vídeo não se referia a mim, mas sim, à pessoa cujo poema que lia era dedicado. Já não posso me lembrar. O fato é que: De tempos em tempos, voltava àquele dia no leque aberto das minhas memórias. Aquele dia ora estranho, ora ordinário, mas que traz a sensação dentro de si. O dia não é um dia, mas um conjunto de dias que têm em comum a memória. Sinto falta de sentir falta.
Entre esses dias que formam o 'dia', estão aquele da prova de geografia impossível na 5ª série, aquele de ficar em casa a tarde toda, numa época do ano em que as tardes eram estranhamente roxas e frias, aquele em que passei na banca de jornais e parei para ler em um banco de praça e, especialmente, aquele da chuva, em que saímos na rua e corremos para lugar nenhum, até chegar.
Definitivamente, o estranho era eu.



"Hoje eu sei que nada nunca foi dito, e a manifestação desse nada veio através de palavras superficiais e conversas ramificadas e dúbias. Me permito, no entanto, manter essas imagens antigas longe do buraco-negro do esquecimento."

domingo, 31 de maio de 2009

gente e pétalas

A flor que carregava tinha um texto de metal. Escrito, moldado, amalgamado. Quando a flor caiu, sentiu que seus olhos se fechavam. A felicidade de derrubar a flor e de se vestir com carinho de seus restos mortos se expandia e manifestava por todo o seu corpo. Era jovem. Tinha os olhos da cor daquelas pétalas. O texto jamais foi lido depois do acontecido. O jovem sonhava em apaixonada redenção.

Voltou ao lar. Voltava como quem caminha em direção à cadeira elétrica e, ao mesmo tempo, para o palco de uma cerimônia de homenagem. Seus sentidos se tornaram mais aguçados, repentinamente. Caiu em um sono que durou três anos.

Despertou na névoa de uma manhã fria. Já não tinha mais sentidos, não tinha mais olhar. Não precisava comer ou dormir. Os acontecimentos ao seu redor eram reconhecidos por ele através de um sétimo sentido, uma nova percepção. O abandono de seu texto de metal o tornara livre das conseqüências dos antigos modos de percepção mundanos. Seus sentimentos se tornaram finalmente sólidos.



Olho na janela e sinto aquele frio que é que nem chili. Dói mas dá barato.
Dr. Phil explica...

sábado, 30 de maio de 2009

só say "adiante"

Olho por olho, disse o homem idoso, e dente por dente. O que será que ele queria dizer com isso, perguntou-se o jovem deitado na cama fria feita de metal e dolorosamente sem travesseiro. Com um gesto lento porém claramente matemático, o homem idoso, em toda a sua capacidade de ser idoso, apertou aquele botãozinho que, se houvessem cores, seria certamente vermelho.

Fechou os olhos por um segundo. Não o homem idoso, o jovem. Lembrou-se involuntariamente de alguma cena que vislumbrara em algum cinema underground alguns anos antes do acontecido. Ficou com aquela imagem na cabeça por alguns instantes. Não se lembrava sequer do nome do filme. No fim da transissão, saiu da sala e foi para o jardim. Pensou mais algum tempo sobre qual fora o significado daquilo. E depois pensou alguma outra coisa inútil.

[30/08/2006]

"Ora, papai, não viva no passado! Esse é o século XIV!"